Para ser um Cientista
por Bruno Pires
Uma vez me perguntaram o
que era preciso para ser um cientista. Eu pensei, pensei... demorei mais do que
a pessoa que perguntou gostaria de esperar, então, disse que era a “coragem”.
"Coragem?!", perguntou. Talvez ela esperasse "o conhecimento"
ou "a dedicação como resposta".
Após um ano sem escrever,
este é o texto de meu retorno e através dele, pontuarei sobre a Coragem do
Cientista.
Durante o período do
vestibular, precisamos escolher uma profissão como se nunca mais pudéssemos
mudar esta escolha, o que mais parece uma sentença do que uma entrada no
ambiente acadêmico. Neste momento, a maioria é jovem e por falta de autonomia
financeira -na minha opinião-, são reféns do julgamento dos pais e de
familiares. Além disso, “o sistema” já está viciado em carreiras “ditas como
bem-sucedidas”, o que acaba gerando no senso comum a crença de que é possível
“chegar lá” através destas. Algumas outras profissões também são toleradas,
mas, diga aos seus pais que pretende cursar Biologia ou Química ou Física, por
exemplo.
Escolher uma carreira
científica é uma enorme demonstração de coragem, assim como ser um músico ou um
artista plástico, por exemplo. Eu já ouvi que cursando Biologia, eu “morreria
dentro de uma sala de aula”. Respondi que seria uma enorme honra morrer como um
educador.
Em qualquer reunião de
família, o cientista será menosprezado.
Um amigo próximo foi
recentemente aprovado para o doutorado e em um dos almoços de domingo, uma tia
mencionou que seu filho estava concluindo a graduação em medicina e que seria
um doutor em breve, enquanto, meu amigo, ainda que fosse formado, precisaria de
mais quatro anos para ser um doutor. O problema dessa situação é que “doutor” é
diferente de “doutor”. O termo utilizado pela tia, é uma convenção social
herdada do Brasil colonial. Para outros, qualquer pessoa “graduada” é chamada
de “doutor”, e por isso, você verá este título em muitos jalecos por aí
(erroneamente). Já o doutorado que meu amigo está fazendo, é o mais alto grau
de titulação da formação acadêmica. Fazendo uma analogia ao sistema militar,
enquanto o filho da tia entra Soldado e sai como um Cabo, seu sobrinho, que já
é Cabo, sairá como um General. A distância é absurda! Mas talvez fique mais
claro quando explicamos através das patentes do exército, porque o conhecimento
sobre o exército é mais próximo das pessoas do que o conhecimento sobre a
formação acadêmica.
Para aqueles que
pretendem continuar a formação acadêmica após a graduação, existe a
pós-graduação. Esta é dividida em duas categorias: pós-graduação lato sensu (do
latim, sentido amplo) e pós-graduação stricto sensu (do latim, em sentido
estrito).
A duração da
pós-graduação lato sensu varia entre 1 a 3 anos e apesar do título de
“especialista” para quem a conclui, a formação é muito mais generalista do que
a stricto sensu. Exemplos da pós-graduação lato sensu são os cursos de MBA
(Master Business Administration) e as residências médicas e de outros
profissionais de saúde.
A pós-graduação stricto
sensu consiste nos cursos de mestrado e doutorado, com duração média de 2 e 4
anos, respectivamente. Para aqueles que pretendem se capacitar ao máximo, é
importante passar pelas duas etapas, o que leva 6 anos após o tempo da
graduação. Dessa forma, alguém que entrou no curso de Biologia aos 18 anos e
concluiu a graduação aos 22, possivelmente, terminará o doutorado aos 28 anos
se tudo correr bem. E é nesse período em que o cientista paga um grande pedágio
social por ter quase 30 anos, possuir o título de doutorado e ser um
desempregado.
“Mas você estudou tanto...”
O que ainda não sabem é
que rotineiramente, inalamos compostos tóxicos como Fenol e Clorofórmio, que
corremos o risco de perder a visão com o Metanol, ou a mão com o Ácido
Sulfúrico, e que temos contato com o composto mutagênico Brometo de Etídio. Nem
preciso mencionar os isótopos radioativos que muitos cientistas ainda precisam
utilizar. O ponto que eu queria deixar aqui, é que durante os anos de iniciação
científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado, nós não recebemos nenhum
adicional de insalubridade ou de periculosidade, pois mesmo com 10 anos de
exercício da ciência, não somos cobertos pelas leis trabalhistas, já que não
somos empregados. Ou seja, a coragem que falei não é somente para enfrentar a
opinião alheia, mas também para arriscar a própria saúde em prol da Ciência.
Durante o meu primeiro
ano de doutorado, eu tinha 24 anos e estava empolgadíssimo com a minha pesquisa
que envolvia a biologia molecular da metástase – responsável por 90% das mortes
em câncer de mama – até conversar com um amigo da família sobre os meus planos.
Ele me jogou um balde de água fria. Disse que eu não estava fazendo uma escolha
correta, pois entraria no mercado de trabalho com quase 30 anos, enquanto os
meus amigos já teriam um carro e uma boa condição de vida. E de forma
nostradâmica, ele acertou. A única coisa que o “amigo da família" não
pensou é que a forma como os cientistas veem o mundo, não traz valor a maioria
das coisas que “o sistema” impõe. O que será que o tal “sistema” pensa sobre
muitas pesquisadoras que relatam não desejarem filhos? Ou de um pesquisador que
se recusa a usar camisa polo ou social para trabalhar? O que será que ele pensa
do casal de cientistas que prefere investir em suas viagens pelo mundo a
comprar um apartamento?
Ser cientista é
questionar-se e questionar o “sistema”. É não ceder aos padrões. É andar na
contramão para sustentar as suas convicções. E para isso, caro amigo, cara
amiga, é preciso ter muita CORAGEM.