Do
Papai Noel à Metástase
Eu
nasci e fui criado no interior de Goiás, em uma cidade de 25.000 habitantes
chamada Posse. Tive uma infância sem shoppings ou cinemas, mas com muito
contato com a natureza e com os meus 20 primos. No natal de 1994, nos reunidos
na casa dos meus avós maternos para a ceia. Na época, eu tinha 5 anos e
carregava uma enorme vontade de falar tudo o que pensava. O clímax daquela
noite foi a aparição do Papai Noel durante o jantar. Eu estava empolgadíssimo
com aquela presença, assim como os meus primos que tinham mais ou menos a mesma
idade, até que percebi que a minha avó não estava mais no recinto. Comecei a
observar bem aquele Papai Noel, sua barba branca, seu cabelo branco, gorro e
roupas vermelhas... então, gritei “O Papai Noel é a vovó!”
Todos
os adultos se espantaram. Meus pais desconversaram e depois de alguns minutos,
o bom velhinho partiu. Eu insistia que era, mas parecia que eu havia falado um
palavrão, pois todos me olhavam com um certo desprezo. No dia seguinte, a
primeira coisa que fiz foi questionar a minha mãe. Ela confirmou, “ele não é
real”. Apesar dela ter me explicado todo o motivo pelo qual ele foi criado, eu
senti aquilo como uma facada nas minhas vísceras. Embora aquela verdade tenha
sido difícil de administrar no auge dos meus 5 anos, eu quis mais: “então, o coelhinho
da Páscoa também não existe?” Também não, respondeu a minha mãe com um olhar de
velório. Naquele dia, eu dormi muito mal, mas decidi contar a verdade para as
outras pessoas (que tinham a mesma idade). No final de semana subsequente,
estávamos todos os primos reunidos na casa dos meus avós e aproveitei a ocasião
para libertá-los daquela mentira. No entanto, para a minha maior decepção,
eles disseram que era eu quem estava mentido e um deles completou: “meus pais
falaram que existe e eles não mentem”. Eu fiquei arrasado. Percebi que meus
pares preferiam viver em uma ilusão do que aceitar a “verdade nua e crua”.
Aquela
história envolvendo o papai noel me deu uma enorme coragem para questionar
qualquer coisa. Além disso, ela quebrou o paradigma de que eu deveria acreditar
em tudo que “os mais experientes” afirmam. Só que eu me empolguei. Aos 6 anos,
eu estava desenvolvendo uma noção sobre parentesco/hereditariedade, e cheguei a
conclusão de que os meus pais não pareciam fisionomicamente comigo. Sem saber o
que a genética mendeliana conta sobre os alelos raros, acusei os meus pais de
terem me adotado. No começo, os meus pais riram, mas eu insisti tanto com o
assunto que no mesmo dia, a minha mãe me levou ao hospital em que nasci para
que todos dessem o depoimento que testemunhava a favor dela. “Eles estão todos
comprados”, repeti a frase que ouvia ocasionalmente no "Aqui Agora" – um
clássico da década de 90.
Nesse dia, eu tinha
passado da conta. Mesmo para uma criança de 6 anos, era perceptível a tristeza
de uma mãe que se sentia rejeitada pelo próprio filho. “Você é sangue do meu
sangue, meu filho. Por que está fazendo isso comigo?” Esse diálogo nunca mas
saiu da minha cabeça...
Alguns
anos depois, a minha avó materna falece com câncer de mama. Lembro de uma
conversa entre os meus pais que contava, segundo o oncologista do Hospital de
Base, que o câncer havia se espalhado e que não havia tratamento para isso. No
dia após o velório, eu contei no ouvido da minha mãe, que eu iria estudar
porque “aquilo” matou a minha avó. Naquele momento, eu descobri como utilizar a
minha vontade de investigar/pesquisar sem machucar as pessoas. Muito pelo
contrário, ajudando-as. Então, naquele dia eu aceitei a missão de ser um
cientista.
Desde então, eu persigo a
metástase do câncer de mama como
aquele que busca vingança, mas ao mesmo tempo, como aquele que quer dar
esperança a todas as famílias que sofrem com esta doença.
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