Os Anfitriões
Carlinhos
e Juliana estavam casados há 20 anos. Sem filhos e com uma vida reservada o
suficiente para que os parentes não os visitassem sem avisar com uma semana de
antecedência, estavam fadados aos seriados e alguns programas sobre o cotidiano dos famosos. Carlinhos tinha algumas manias. Pegava em notas
e moedas com nojo, por pensar em quantas mãos sujas aquele objeto já havia
transitado. Por isso, o álcool em gel era item indispensável na mochila, no
porta luvas e até mesmo no bolso. Era capaz de passar o produto após apertar a
mão de alguém que julgasse não ter tanto higiene quanto a dele. Juliana estava
passando por uma crise na sua alto afirmação como classe média alta. Vinha de
uma origem simples, mas dedicou uma vida para alcançar o padrão social que
tanto sonhou. Quando alcançou, apreendeu a rir de piadas sem graça e se via
abrigada a beber um Barolo, lamentando a falta que fazia o Mioranza Suave.
Em
uma noite de tédio, Carlinhos tenta iniciar uma conversa. Juliana estava deitada
na cama ao seu lado, lendo ‘Orgulho e Preconceito’ pela segunda vez a fim de
provar a sua intelectualidade nos Happy Hours do trabalho.
-
Amor?
Vibra
internamente com a interrupção. Era o pretexto para não precisar olhar mais aquele
livro. Mas responde com uma ar de que estava completamente concentrada.
-
Huuummmmmm?
-
Você lembra daquela vez que Antônio veio nos visitar?
-
Lembro sim. Por quê?
-
Você lembra quando fomos àquele restaurante francês e ele não entendeu nada do
que estava escrito no Menu? - fez questão de falar Meni.
-
Lembro. Ainda disse que esqueceu a carteira na nossa casa e tivemos que pagar
sua conta... Um malandro!
Ele
só lamenta.
- É....
- Mas pelo menos era mais educado do
que o Francisco. Ele deixou as minhas toalhas imundas! Já não trouxe
sabonete... Tive que dar o mêêêêêu sabonete para ele lavar aqueles pés...
- E a forma que ele comia. Fazendo
barulho, pegou a comida que caiu na mesa e colocou no prato... não é à toa que
era conhecido como Chico Porcalhão.
- Chico Porcalhão?! Esse apelido
você não tinha me contado. Como você convidou o “Chico Porcalhão” para a nossa
casa?
Uma pausa para mudar o assunto...
que permanece o mesmo.
- Amor, mas ele era legal... Ah...
Teve também aquele casal... Hidelbrando e Jaquilene.
- Aí eu já sabia que não daria
certo. Com esse nome... Onde já se viu alguém com o nome de Hidelbrando?
- Amor!? Jaquilene é muito mais
estranho!
- Eu achei original! Hidelbrando é
uma nome de velho! Muito estranho, muito estranho!
- Você lembra dos barulhos que vinham
do quarto no meio da noite?
- Claro! Nem deixavam a gente
dormir... Achei uma falta de respeito! Ainda na nossa casa! Nem nós dois
fizemos tanto barulho! E ainda demorava... nem me lembro de fazer por tanto
tempo quanto eles...
- Uma noite até teve um grito.
- Quem gritou?
- Não sei... não lembro.
- Como não sabe? Foi uma voz
feminina ou masculina?
- Não lembro.
Carlinhos ficou constrangido com a
curiosidade da esposa. Tentou mudar de assunto e faz o melhor que conseguiu.
- Ah... essas visitas foram muito
engraçadas.
- Demais!
- Acho que a parte mais importante é
que nos mostram o quanto somos normais.
- Como assim?
- Já recebemos cada maluco... cada
vez que vejo o quão patológicos são, mais percebo que somos duas pessoas
normais, sem vícios, sem manias... nem falamos da vida alheia.
- É verdade. Isso é muito raro.
- Hoje eu mandei uma mensagem para o
Antônio.
- Manda para o Chico Porca... quer
dizer, pro Francisco também.
- Vou mandar. Já sei! Podemos chamar
o Antônio e o Francisco para passarem o próximo feriado aqui.
- É uma ótima ideia! Estou ansiosa
para saber o que os dois vão aprontar dessa vez.